Estendes, na minha direcção o teu olhar, sem dizer uma única palavra capaz de quebrar o cristal do qual é feito este momento.
Abro-as e elas cedem ao toque.
É tarde.
Sentimos, lá fora, uma onda crescente, ganhando forma e luz.
É a manhã com os seus passos de seda sobre a erva molhada dos canteiros rente à praia.
Parece uma criança tacteando as coisas por onde passa, apoderando-se dos seus contornos, primeiro, da sua matéria, depois.
Também ela vem em silêncio. Tudo é pressentido. Nada dito.
Há homens sós atravessando as pontes da cidade, nos seus pequenos carros brancos, cavalos alados, como se fossem os corpos das mulheres amadas. Passam rapidamente, velozes, trazendo dentro de si a vontade louca de enganar esta medida inventada: o tempo.
Os anjos encostam a sua cabeça ao vidro e ouvem as suas vozes graves sibilar este segredo revoltado nascendo do interior do seu coração:
"Malditas horas! Malditas horas!Como queria parar todos os relógios das altas torres das cidades, das aldeias, das estações de comboio. Todos! Todos! Todos!Enterrá-los bem fundo dentro da terra escura! Afundá-los em mar alto, escondê-los para sempre num palácio antigo de um país inexistente cujas portas não têm chave, perdida para sempre no bolso de um príncipe que viajou para o espaço.
Desmontar os seus mecanismos repetidos e complexos de uma só vez como quem rasga o véu de um templo.
Tudo isto por ti. Para poder cantar a tua presença continuamente, como um mantra encantado, um sopro de vida, uma água fresca e assim dar-te um peso e uma medida capaz de ser reconhecida pelos meus sentidos."
Assim falam estes homens com os seus botões.
E os anjos ouvem.
Aman
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