Ali estão elas.
Vejo-as à distância e quedo-me para que o meu corpo não interrompa aquele momento.
Tudo à sua volta é movimento, cor, azáfama, ruído, formas, gestos, volumes, ....
A vida correndo à sua frente e elas imóveis.
Vêm de longe, de um tempo que não se pode medir pois nem tem cor, não tem cheiro, não se pode olhar de frente mas está povoado de memórias transparentes como véus de anjos.
Sabem de cor o sabor do medo que entorpece os músculos e dilata o coração, levando-o à loucura.
Ali estão elas e esperam.
(No fundo a história volta a repetir-se e repetir-se-á até ao confim dos séculos.)
São muitas, aos molhos, aglomeradas no cais de embarque, como se a proximidade, no anonimato, lhes pudesse conceder algum sossego, mesmo que ilusório.
São mulheres de todas as idades, de todas as condições, de todos os espaços e chegam já cansadas.
Muitas vestem de negro e quando as olho, ao longe, tudo à minha volta escurece, como se um eclipse tivesse coberto toda a terra e todos os homens.
Nessa escuridão que sinto um choro acorda os meus sentidos.
Esse grito irrompe com a força das marés atraindo umas mãos brancas que vão ao seu encontro.
É a mãe. É o filho. É o chamamento primordial. O início.
Ela pega-o no colo e aperta-o contra o peito. O seu olhar perde-se no horizonte.
De repente, todo o movimento cessa.
O barco começa a deslizar lentamente, como se um universo compacto e definido ganhasse asas aquáticas, cheio de vida, cheio de sonhos, cheio de certezas, cheio de dúvidas, de desejos, cheio de promessas, cheio de saudades.Umas asas que voam enquanto os corpos dilatados delas explodem de dor.
Tudo se consuma.
Os homens vão. As mulheres ficam.
E um deserto começa a crescer.
Desde os dedos dos pés, percorrendo as pernas e subindo pelo corpo todo até à ponta dos cabelos.
Areia fina ocupando todo o espaço interior dos infinitos corredores onde todas as portas se fecharam.
Olho-as pela última vez, quando se começam a separar, uma após outra, rosto pregado ao chão, cabeça reclinada, guardando um segredo só seu.
E depois da sua partida todo o cais se transformou num imenso areal onde as gaivotas vêm celebrar a memória do último encontro.
É tarde. A noite desce do céu com um longo manto bordado.
Respiro.
E enquanto fecho os olhos giram à volta da minha cabeça as palavras
"Mais viendra le jour des adieux,
car il faut que les femmes pleurent".
Aman
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