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sexta-feira, 14 de junho de 2013

MILAGRE

Acordei com o corpo cheio de areia. No primeiro instante não compreendi.
Também não te perguntei, pois dormias profundamente a meu lado e não se pode acordar alguém que habita o interior do sono.
Os lençóis eram brancos e azuis.
Apertei as mãos e senti que estavam líquidas.
De repente, imaginei. Podia ser um sonho, um pensamento brilhante e  fugaz daqueles que vêm num sopro, uma memória inventada, ou não, tudo depende do rumo desejado para esta melodia.
Sim, porque as palavras têm música dentro, notas, notas e mais notas, organizadas, sublimes, doridas, fantásticas, intensas, ansiosas, terríveis, inevitáveis, desejadas, cruéis, e esperam impacientemente que as oiças e as deixes tocarem-te no mais fundo da tua alma, aí onde tu és tu verdadeiramente sem mais nada que não seja a tua identidade misteriosa. Conhecem-te os pássaros da manhã, em bandos loucos no céu ainda recém-nascido, quase cardumes ao contrário (algum dia tinha de acontecer, o mundo ao contrário, já sabes, não é? tantas são as vezes que o desejamos!), as estradas,longas e agitadas, depois calmas e escuras, as mulheres de corpos cansados pelo peso das panelas gigantes, as que varrem repetidamente, dia após dia, o pó dos outros, o homem da portagem, as crianças dos teus dias, as da rua, as da infância, quando tu também eras assim.
Sim, a memória traz-te constantemente esse fluxo de imagens, de gestos, de sorrisos, de passos desalinhados, de olhares parados, fixos na janela ( o jogo de futebol é mais interessante que a voz da professora, repetindo, dia após dia as mesmas frases!quando cresces essas palavras renascem e aí percebes que afinal estavas atento às duas coisas: jogo e palavras, ambas marcantes para a tua vida).
A semana chega ao fim e o corpo exausto recusa-se a ceder ao cansaço.
Mas, ao mesmo tempo, é bom saborear,a mistura complexa do cheiro das rosas, com o cheiro do sol, o cheiro do canto dos pássaros,a languidez doce dos sentidos, derretendo aos poucos, enquanto desço a rampa até à saída do edifício.Misturar tudo e deixar-te ir.
Tu já terás chegado. As viagens de comboio são sempre um recomeço.
Regressarás?
Disseste que sim. Acredito. Mas preciso de ver, tocar, cheirar, sentir.Ser como Tomé. Aí saberei que estás de volta e és tu, outra vez e sempre, ali, diante de mim com uma beleza estonteante: a tua. O rosto apoiado na tua mão, onde caberia o meu coração todinho, sem tirar nem pôr.
Tens noção de que és um homem muito bonito?
(Não sei se isto se diz, assim, frente a frente, mas olha, já disse e está dito. As mulheres,não sei se são assim, mas eu sou.)

AMAN


EVERY HOUR




Visiting my dear ocean. Early fog, everything hidden by the mist, but your blue.

By your stairs, I stop to offer you a sunbeam, something to help you enduring this rainy day. 

Just giving you back some of the light I steal from you every minute, every hour. 


Sándalo Naranja

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O TEU JEITO




Desse jeito tão teu, lembro-me hoje da maneira que as tuas mãos têm de pegar nas coisas, e também, quando caminhas, porque nunca nunca nunca olhas para trás, e as partes da rua que vão ficando para trás de ti desaparecem completamente como um decorado de teatro depois da cortina cair, mas tu não repararás nisso porque nunca nunca nunca olhas para trás, e ainda outra coisa muito bela acontece quando falas dessas coisas bonitas, e os teus espíritos saem de ti e dançam na mesa, e tu olhas de lado às vezes, e fixas o teu olhar sorridente nalguma coisa da tua lembrança que deve estar mesmo lá, ao lado do meu copo ou do meu guardanapo, mas visível só para ti, claro, e essa coisa tua, tão certa, todo se junta para encher com encantos que nunca mais acabam estes olhos meus, e é por isso que assim ando pela vida como encantado ao lado teu, e quando o meus olhos, coitados, já não podem segurar sozinhos tanta coisa bela, tanta coisa nova, lá começam eles a chorar, para fazer espaço para tudo isso que vem aí amanhã, e falando disso, será que arranjas tempo para um café comigo?




Sándalo Naranja

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A GAVETA AO FUNDO DO CORREDOR




Os homens esperam pelas mulheres e as mulheres esperam pelos homens.
Assim. Tal e qual.
E depois acontece o encontro ou o desencontro. Depende.
De que depende?
Se chove, se faz sol, se há comboio, se o barco partiu antes da hora, se a vontade desmaiou ao bater a porta da rua, se o sono não sai do corpo quando toca o despertador, se o coração quer ou não quer e a razão o ouve.
(No fundo, bastava ler o céu, à noite. Mas, nestes dias loucos, quem tem tempo para isso?)




Respiras e isso é já  um triunfo.
Ouves
Vês
Sentes
Pois bem, isto são as verdadeiras conquistas.
O resto
passa.
Já passou.
Está a passar.
Passará.
Tu
entre os dedos
só tens o presente
e no rosto o desejo de futuro
e
o passado?
esse
está lá
e vai e vem
quando queres
e quando não queres
vive a sua presença numa gaveta indomável,
no armário
de madeira escura
ao fundo
do
infindável
corredor
da tua vida








és tu
lá.

agora
já não.

podes sempre voltar
mas já não podes ficar.


era.

e tu,
agora

és.


AMAN

sábado, 11 de maio de 2013

YOUR NACREOUS LOVE



Your love is a young preciosity, made of nacre. If you wonder where I keep it, as I wondered where do you keep mine, well, the truth is I don't have it yet with me. But I feel it, this is certain... or then how could I speak of it?

As now, you are yourself the keeper of your love for me. Some days, a new fine layer of aragonite and calcite covers its young nucleus, making its nacreus heart grow very very slowly, almost unnoticed.

Your love for me, like mine for you, is a natural pearl, although they both are "cultured" by the action of communication and metaphor between the two of us. Our words, hopefully, triggers the secretion of mother-of-pearl which makes our loves a little rounder and perfect, each minute, each hour.



So you see, all is made of thin layers of affection and attention. Suffering too, I guess, anything truly shared.

Many layers! The thinner they are, the finer the luster the pearl will show. The elements must be deposited with love and care. My love, for instance, has already many tiny layers. You can only see that with X-ray, right? Your memory of feeling will help you to remember which emotion made each specific layer.



Forgetful lovers are the worse. I know you remember.

This is how each pearl earns its beauty, for the light will reflect, refract and difract as it hits these translucent layers, like meanings, creating a love that is unique - and thus precious. The glow and iridiscence of our loves is due to the overlapping of the nacreous layers, which forces the light to break up. When the lovers feel the love in spontaneous spurs, this is in fact produced by rainbows of difracted light on the surface of the love/pearl. Simultaneous (shared) and multiple rainbows are the best.

You say you keep my love in your heart and I love you more for that (you see, another layer). I say you keep yours for me, and this will be so until you offer it to me for keeping. I trust you will take care of it, in the meantime.

In fact I am not sure if we keep and grow the love or we are kept by it. This is an issue very hard to research. I suspect that maybe the answer is polymorphic: we keep it and we are sustained by it, at the same time.

Love owns us just as a dream dreams us sometimes.

Perhaps this is why some researchers talk of precious love as a "flame", which is also an object we keep alive so that it keeps US alive. Maybe this explain this feeling of need, after all. This is why reciprocity is so important. What do you think?

In any case, love is about life and being alive. And rainbows without sharing are pretty dull things.

Don't you think so?





Sándalo Naranja

segunda-feira, 29 de abril de 2013

O MEU OLHAR DEMORADO





Como seria bom se pudesse olhar para ti mais devagar, com a serenidade devida, se conseguirmos parar o tempo do olhar, também, e assim, fotograma a fotograma, pudesse eu registar com alguma precisão o voo das tuas mãos, o alvoroço das tuas pálpebras, a fina dança das costuras da tua roupa quando caminhas, enfim, e um outro mundo infindável de pormenores  que detecto aos poucos e nunca consigo consignar devidamente, 


e talvez assim, em slow-mo, conseguisse eu ver onde é que o teu olhar se pousa exactamente quando falas dessas coisas tuas com esse meio sorriso de encantar... gostaria, enfim, de olhar para ti já sem uma réstia de vergonha nem boa educação, e com o máximo deleite, e que tu te achasses, plena de ti no meu olhar, e nele sentisses esse tocar vagaroso de que tanto te falo, aquele em que se misturam as aguas da ternura mais doce e do desejo mais aceso de ti, numa foz onde já não é mais possível separar as águas, e todo o olhar se revela carícia, finalmente e para sempre desenvergonhada, que te despe de palavras, de razões, de roupas, e atravessa o teu corpo (tão amado!) duma luz como um zénite sem sombras.






Sándalo Naranja

terça-feira, 23 de abril de 2013

(BE)LONGING


Estranha saudade do futuro que me fazes sentir.

Alimentada de memória, vivida num agora eterno, reluzente de futuros.

Vem.