quarta-feira, 24 de julho de 2013

O ANJO QUE NOS GUARDA



Sabes? Quando olhamos para o lugar certo com o olhar certo, a realidade explode num arco-íris, como uma festa. As coisas misturam-se, relacionam-se, é um carnaval.

Eu acho que isso é aquilo ao que depois chamamos "coincidências". 

Não adormeças já. Deixa-me contar uma história sobre coincidências:

"Ele disse-lhe à ela, um dia de Março, a história dum poema e um anjo com um guarda-chuva branco, passado num certo jardim que eles conheceriam, juntos, mais tarde.

Eles conheceram-se, dois anos depois do poema do anjo ter sido escrito.

Ele gravou para ela um CD com músicas belas. Ele queria criar uma paissagem para ela poder "habitar" com ele, sempre que ouvisse as músicas. Ele ouvia o mesmo CD, e tentava adivinhar o que ela sentiria quando ela ouvisse.

Ela ouviou logo, disse "wow!" para ele...Gostou muito duma música, a # 4, que ele tocaria para ela, e só para ela, num concerto dele ao qual ela não poderia ir, mas afinal foi. A música foi uma prenda com que ele quis acariciar a alma dela, quando soube que ela afinal viria.

Mas no CD havia outra canção, linda, é certo, mas uma mais entre muitas canções lindas: Beatriz. A canção falava, poder-se-ia dizer, dum anjo, que voava entre trapézios, em forma de mulher. Ele, tocado desde sempre pela canção, escreveu um dia sobre ela no seu blog. A mulher leu e gostou muito. Nesse dia, ou pouco depois, quando ela cozinhava, ouviu Beatriz surgindo dum CD que ela tinha comprado recentemente. Beatriz tornou-se um objecto mágico para ambos. Um lugar de coincidências mágicas e encontros remotos.

As vidas ficaram cheias de anjos em poucos dias... As Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin), Besson... U2 ... Ela disse-lhe que as mulheres são anjos enviados para ajudar os homens. Ele não acreditou. 

Marion, a trapezista do filme As Asas do Desejo, transformou-se em Beatriz... também a mulher transformou-se para ele em Beatriz, a mulher/anjo, a soma de todas as belezas, doçuras, sonhos e desejos. 

Ele começou a frequentar o rio nos seus passeios solitários. Reparou no anjo de bronze, uma magnifica escultura, colocada perto da foz de todos os sonhos. Um lugar belíssimo e mágico. Ele visitava o anjo como quem visita a metáfora da amada. 

Nesse anjo, ele começou a ver um símbolo. Tudo o que ele não poderia nunca fazer com ela - acordar juntos, viajar, cozinhar para ela, oferecer flores num parque...-, o anjo representava o poder de superar aquilo que era, aparentemente, impossível. 

Para demostrar isso, o homem, em pleno uso da sua lucidez, começou a levar flores ao anjo. Muitas noites, guiava até lá, cortava umas flores vermelhas que crescem perto da escultura, e colocava-as entre os dedos dourados do anjo. Um gesto bonito que ele realizava cada noite com serena simplicidade.

O homem pensou muitas vezes em contar esta história à amada, mas nunca o fez. Uma vez, quase sucumbia ao delírio da confissão! Mas soube calar. Achou ele que existia uma beleza peculiar no facto de essas flores serem uma ofrenda interior, um segredo, um símbolo privado, não apenas do seu amor, mas também da sua força para superar todos os obstáculos que o seu amor encontraria. As flores eram também, um pouco, para ele próprio...

Semanas mas tarde, começou a passear a beira-rio com ela, aproveitando uma breve e maravilhosa oportunidade ao fim da tarde. Era uma primavera linda! Juntos, passavam ao lado do anjo, com as suas flores. Ele sorria. Ela, possivelmente nem reparava na presença das flores, mas isso, na verdade, não interessava demasiado. 

Um dia, ela enviou um texto para ele. Preto e branco era o título. O homem ainda se lembra da emoção enquanto precariamente tentava traduzir os herméticos caracteres dessa língua bela e desconhecida. E lentamente, um objecto lindo começou a aparecer à sua frente. Lia, emocionado pelo simples facto de poder perceber, de ver cair outra barreira. No texto, ela mencionava um lugar, como um castelo, perto do rio, quase desaparecido no meio do nevoeiro. Um lugar mítico, maravilhoso. Preto e branco. 

Ele localizou o lugar: mesmo frente ao "seu" anjo mensageiro de flores. O anjo olhava sempre, imóvel nos seus bronzes, para a outra margem, directamente para o castelo da amada!

Lá voltou ele a esse lugar, vezes sem conta, para sentir no seu ser a confluência de todas as magias e belezas. O rio, o mar, o anjo, o castelo, as flores, os faróis, Marion, Beatriz, o mais belo de todos os seres que ele nunca conheceu, a mulher que, com sorte,  ensinar-lhe-ia a "não andar com os pés no chão", deixar-lhe-ia "entrar na sua vida".

O lugar, também no meio do vazio liquido do seu coração, continua a ser belo e mágico. O homem ainda leva flores, algumas vezes, porque há coisas que, mesmo que não façam sentido, não acabam assim tão facilmente. Nem o nevoeiro derrubou o castelo, nem esse silêncio dela conseguiria nunca matar o amor do homem".

Esta é a história do anjo. Espero que tenhas gostado, linda. Agora vai, dorme... Eu fico a guardar os teus sonhos...


Sándalo Naranja

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