domingo, 28 de abril de 2013

AS CATEDRAIS


À noite as fábricas são como catedrais iluminadas.
Estão ali, diante de ti, imersas num silêncio que se pode tocar com a ponta dos dedos, e segredam-te histórias de dias infinitos de suor, de corpos contorcidos com o peso do medo, de corações apertados, de lágrimas contidas e com pressa em correr mas só quando soa a sirene e se fecham os grandes portões de ferro elas nascem do fundo dos olhos e inundam tudo. Como um rio, como um iceberg derretendo ao ritmo abrasador de um sol a pique, como um mar rasgando a terra e levando tudo no seu corpo, à sua passagem, como tudo aquilo que vem de repente, quando já estava previsto há muito tempo.
 

 


Passamos ao seu lado e sentimos que caminhamos em linha paralela rumo ao infinito.
Nós e elas.

Elas e nós.
E elas sabem-no tão bem tal como nós o sabemos.


E perguntamo-nos porque não entramos? Porque não abrimos os grandes portões e percorremos os imensos corredores, as complexas linhas de montagem, os escritórios adormecidos, as escadas em caracol (talvez chegássemos ao paraíso!), os refeitórios assépticos, as casas-de-banho minúsculas.


Porque não fazemos da sua presença a nossa presença?


Todo o seu espaço podia ser o nosso. Todo o nosso espaço podia ser o delas.

Hesitamos.

O passo quebra-se como um copo de vidro escorregando das mãos molhadas.


 

Escolhemos voltar para trás, retomar o caminho paralelo e desenhar no chão uma mensagem onde todo o nosso mundo fique gravado como uma aliança celebrada no meio do deserto. E elas perceberão quando, na próxima manhã, todos os homens ao abrir o dia com os seus braços, sorrirem. E a luz da noite iluminará o dia inteiro daqueles que aí vão morrer e nascer de novo.

As fábricas.




                                                               Aman


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